Um pouco de filosofia
Vamos “filosofar” um pouco? A princípio, nos parece inútil pensamentos abstratos acerca do raciocínio, mas te garanto, são fundamentais. Sem pressa, não pule esta parte antes de ler a revisão da primeira lei.
A intuição se dá pelo entendimento da causa a partir do efeito. Isto não inventei, mas já disse o filósofo Arthur Schopenhauer em sua obra O mundo como vontade e como representação. São órgãos do sentido que nos fornecem os dados para a intuição, que só existe para o entendimento. Os animais mesmo já o possuem. Certa vez, no sítio, um beija-flor que assentou morada debaixo do telhado, depois de bater algumas vezes com a cara nas janelas grandes de vidro, passou a sair e entrar pelas laterais sem janela com incrível habilidade. Embora enganado pelo sentido da visão, foi necessário o tato (o encontrar com o vidro) para lhe dar os dados da intuição de que por ali não se poderia atravessar.
É verdade que toda e qualquer descoberta surge a partir da intuição, na qual o uso da razão só vem depois para fixá-la em conceitos abstratos. Portanto, é a partir do entendimento, na medida em que se conhece a causa a partir do efeito, a maneira mais fácil de se compreender os fenômenos naturais.
A mim, parece este ser o princípio para o aprendizado, pois ao atribuir relações abstratas a algo que não se entende seria absurdo para o primeiro que as definiu, porque o entendimento as pressupõe e não o contrário. No entanto, quando somos ensinados no colégio ou na universidade, muitas vezes, os conceitos nos são atirados aos montes sem entendimento algum da causa a partir do efeito, o que carece de significância e por isso, surge dificuldade em interpretar um exercício e aplicar corretamente as relações abstratas de maneira que se estas nos são fornecidas, até mesmo, por exemplo, como uma lista de fórmulas, de nada adianta para obter a solução.
Um dos motivos pelos quais agora, ao terminar a universidade, pretendo escrever sobre temas de engenharia é justamente retornar aos conceitos fundamentais das disciplinas da minha graduação e ir além das fórmulas que me foram atiradas, mas intuí-los, pois desta maneira serão bem mais fixados no cérebro.
É o que pretendo fazer com o conceito de entalpia.
Uma revisão da primeira lei
Considerando um sistema fechado (matéria não atravessa o sistema), todo o mais é vizinhança.
Da lei da conservação de energia,
Δ (E sistema) + Δ (E vizinhança) = 0 (1)
que estabelece que a variação da energia do sistema somada à variação da energia de todo o mais é zero, ou seja, a energia no universo se conserva. Ela é válida para todos os processos, embora aqui vamos analisar seu desdobramento no sistema fechado.
Calor Q e trabalho W representam energia em trânsito e não podem ser armazenados, diferentemente da energia interna, potencial e cinética que estão contidas na matéria. Como em um sistema fechado a matéria não atravessa fronteira do sistema, TODA a troca de energia do sistema com sua vizinhança se dá por calor e trabalho e a variação da energia total da vizinhança é, portanto, igual a energia líquida transferida para ou da mesma como Q e W. Sendo assim:
Δ (Ε viz) = Qviz + Wviz
Calor (Q) e Trabalho são sempre referenciados ao sistema, além disso, por convenção, Q e W são considerados positivos quando são transferidos da vizinhança para dentro do sistema.
Assim,
Δ (Ε viz) = Qviz + Wviz = – Q – W (2)
Vamos pensar.
Se Q e W > 0, aumentamos a energia do sistema, logo, Δ (Εsist) > 0 e, portanto, devemos diminuir a energia da vizinhança, logo, Δ (Ε viz) < 0, o que confere com sinais adotados na equação 2.
Bom, como escrevemos Δ (Ε viz) em função de Q e W, referenciados ao sistema, podemos substituídos na lei da conservação de energia. Então, para um sistema fechado, a variação da energia do sistema é igual à quantidade líquida transferida de calor e trabalho.
Δ (E sistema) = Q + W
Os sistemas fechados sofrem frequentemente processos nos quais apenas a sua energia interna muda. Desta forma,
Δ (Utotal) = Q + W (3)
Logo, a variação total da energia interna de um sistema fechado é igual transferência líquida de calor e trabalho com sua fronteira.
Entalpia e um experimento
É natural quando aquecemos em casa uma quantidade de água contida em um recipiente a água eleve sua temperatura. É a transferência de energia para a água que causa este efeito = elevação da temperatura, que pode ser sentido pelo tato.
Tendo a água como nosso sistema e todo o mais vizinhança, calor é transferido para o sistema, logo, temos idéia de que a água deve possuir também uma propriedade que diz sobre sua energia armazenada. Alguma propriedade energética da água tem que estar variando.
É verdade que não queremos sentir a temperatura da água, mas é muito imediato obter esta percepção pelo tato, de que a temperatura aumenta. Outra bem mais difícil é a percepção de que o volume aumenta. Precisaríamos de uma visão potente para isso, a qual não temos. Já a pressão é constante, afinal, estamos aquecendo a água em um recipiente sujeito à pressão atmosférica, visto que o recipiente tem a boca aberta e isto não muda.
Tal fato nos levará a intuir o conceito entalpia como a energia que permanece interna mais um componente de energia pelo possível deslocamento (ganho ou perda) de seu volume (energia de fronteira).
Por ora, a sua definição como propriedade foi dada por:
H= U + PV
dH = dU + d(PV) (4)
Como depende apenas de funções de estado, a entalpia é também uma função de estado.
Obs: neste ponto, a entalpia (H = U + PV) pode ser compreendida como uma energia de “criação” de alguma coisa, ora esta energia engloba a própria energia da coisa (interna) e mais a energia do deslocamento do volume desta coisa para que ela ocupe o espaço que lhe cabe.
Acho que os cientistas que faziam experiências parecidas com aquecer a água em um recipiente (ou então vapor de água em um sistema fechado, mas com pistão que permitisse a pressão ser atmosférica) e tomavam nota da quantidade de calor transferido em conjunto com a variação da temperatura do sistema. Tomando nota desses valores obtinham um gráfico.
Sendo assim, calculavam uma propriedade chamada capacidade calorífica, ou seja, a taxa de variação do calor fornecido com relação a variação de temperatura :
Cp = dQ/dT
Essa propriedade é a capacidade calorífica a pressão constante (Cp), porque o experimento assim o determinou.
Vejamos agora a relação entre dH e Cp para o nosso processo.
A primeira Lei da termodinâmica, na forma diferencial, diz que : dU = δQ + δW.
- o símbolo δ para Calor e Trabalho é porque são quantidades infinitesimais e não diferenças. Q e W não são variações, mas quantidades.
Considerando apenas o trabalho de descolamento da fronteira, mecanicamente reversível, no processo é dado por,
W = – P*ΔV, na forma diferencial temos:
dU= δQ – Pδ(V)
Como P é constante no nosso processo, podemos tirá-lo ou colocá-lo na derivada sem problemas, logo:
δQ= dU + δ(P.V) (5)
A equação (5) é igual a (4).
E portanto,
δQ=dH.
Assim, para o processo a P constante o calor transferido é igual à variação da entalpia.
Assim, dQ/dT =∂H/∂T e, finalmente,
∂H/ ∂T= Cp Pcte
Tal relação é muito importante, porque permitiu que variações de entalpia e também na energia interna (pois P e V também são facilmente medidos) fossem calculadas pelos cientistas através de propriedades que podiam ser mensuradas!
O gás ideal
Um gás ideal é considerado não haver interação (atração/repulsão) entre suas moléculas, e portanto, a sua energia interna é independente da pressão, sendo U apenas U(T).
Como H = U + PV, e pela lei dos gases ideias PV= RT, H= U + RT.
Logo, para o gás ideal H=H(T).
Desta forma, para o gás ideal:
A relação para a variação de entalpia acima para o gás ideal independe do tipo de processo ( se conduzido a pressão constante ou não). Isto, porque a entalpia é uma variável de estado.
No entanto, apenas no processo à pressão constante e mecanicamente reversível e isto entendemos pela que foi demostrado acima,
ΔH= Q
Processos a volume constante
Eu espero que tenha feito sentido a relação entre as variação de entalpia ser tão importante nos processos a pressão constante, os quais são os mais comuns na natureza. No entanto, podemos conduzir processos a volume constante.
Da primeira lei da termodinâmica,
(Continuaremos mais tarde…)
Um comentário sobre “A entalpia e o processo à pressão constante”